Estava quente naquela manhã, mas eu e meus companheiros nem conseguíamos pensar nisso, tudo que sentíamos era medo. Medo do Deus dos hebreus. Permitam que eu meu apresente, me chamo Quenaz e sou um comandante do exército filisteu, minha vida toda fora praticamente dedicada a proteger as fronteiras de meu povo dos hebreus, talvez seja por isso que tenha me tornado tão próximo deles.[...]Já perdi as contas de quantas vezes já os enfrentei, mas algumas vezes já usei a diplomacia para resolver questões com fazendeiros israelitas. Os hebreus são um povo complicado, não tem rei, embora as vezes alguém decida os guiar, são os chamados juízes. Além disso, eles são divididos em tribos que demonstram muitas vezes desunião e batalham entre si. Mas o que mais me admira nos hebreus é sua religião, eles tem apenas uma divindade, que nem sequer tem uma imagem, é só uma "coisa" invisível, acho isso um tanto interessante, mas vejo que talvez seja esse o motivo de muitos hebreus estarem sempre se inclinando a adorar outros deuses. O que me intriga nisso é que esse Deus que eles abandonam é quem na maioria das vezes os salva, ele parece ser muito poderoso, dizem que ele afligiu com pragas os egípcios para que libertassem o povo de Israel e abriu o mar para que passassem. Contra os egípcios, nós filisteus não tivemos tanta facilidade, lutamos bravamente e na visão de muitos fomos derrotados, mas a maioria do povo acredita que vencemos os soldados do faraó, acho que essa versão parece ter um final mais feliz. Mas voltando ao deus hebraico, eu realmente o acho fascinante, ao contrário dos nossos deuses, que nunca me deram motivos para adorá-los. Mas naquele dia as coisas mudariam drasticamente. Havíamos imposto uma pesada derrota a Israel e agora estávamos nos preparando para um ataque final que os massacraria. Mas de repente ouvimos gritos no acampamento israelita, não entendemos direito, mas quando a notícia de que a tal Arca da Aliança dos hebreus havia chegado ao acampamento ficamos perplexos. A Arca era considerada o símbolo da presença do Deus deles e agora teríamos que enfrentar aquele que chegou a abrir o mar. Teríamos que lutar como nunca, sabíamos que tamanho poder poderia significar nossa derrota e consequente escravidão. Fomos corajosos, lutamos como nunca havíamos lutado, e surpreendentemente os israelitas pareciam fracos, matamos 30 mil hebreus naquele dia. Parecia que a presença de Deus não havia feito diferença nenhuma, e quando chegamos ao acampamento inimigo capturamos a arca com facilidade. Aquilo me intrigou, eu mesmo já havia sido vítima daquele poder em uma batalha em que os hebreus venceram miraculosamente e agora estava confuso.
Os líderes filisteus decidiram levar a arca para Asdode, onde ficaria no templo de Dagom, e aí esse poder do Deus hebreu voltou a me intrigar. Dizem que na primeira noite em que ela ficou no templo, a estátua de Dagom caiu diante da arca. Eles a arrumaram, mas no segundo dia aconteceu o mesmo e a cabeça e os braços da estátua estavam quebrados. Além do mais, a população de Asdode começou a sofrer com tumores e ratos tomaram conta da cidade. Os líderes de Asdode decidiram enviar a arca para Gate, mas lá ela também causou problemas com tumores, o mesmo aconteceu em Ecrom, onde a população inclusive fez protestos contra a permanência da arca. Depois de sete meses, toda a nação já padecia por causa dos problemas causados pela tal Arca da Aliança. Os líderes e os sacerdotes filisteus chegaram a conclusão de que deveriam devolver a arca a Israel, e enviar junto a representação de cinco tumores e de cinco ratos feitos de ouro, representando nossas cinco grandes cidades. Tudo deveria ser levado em uma carroça nova puxada por duas vacas que nunca puxaram carroça. Como encarregado de fazer a segurança na fronteira eu acompanhei todo o procedimento. Após isso os problemas com ratos e tumores cessaram, mas não minha curiosidade quanto a esse deus tão poderoso. Eu sempre conversava com os fazendeiros hebreus que faziam tratos para puderem usar o pasto do nosso lado e lhes pedia que me falassem sobre esse deus, um dia um deles me disse que eu deveria ir falar com Samuel, uma espécie de profeta que estaria em Mispá reunindo o povo. Os filisteus acharam uma boa ideia atacarem o povo na reunião em Mispá e me utilizei disso para ir tentar me encontrar com Samuel. Ainda bem que fui disfarçado antes do meu exército, pois o ataque foi frustrado por trovões, certamente enviados pelo deus hebreu, que confundiram o exército e deram a Israel a oportunidade de atacar. Aquilo foi tudo que eu precisava para ter certeza. Me encontrei com Samuel e contei-lhe minha história, nunca mais voltei para minha terra, encontrei em Israel uma casa e no deus que tanto me fascinara um comandante para a vida toda.
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